A aventura ( VIII )


(...)
Nota prévia: O relato e a análise que se seguem pretendem ser politicamente neutros em termos ideológicos. Este Site/Blog é um ponto de convergência pelo que será evitado, mesmo causando alguma eventual polémica, qualquer apreciação politico/ideológica. Pretende cingir-se ao enquadramento da época e às consequências que advieram para o desenvolvimento futuro do P1/74.


Relato dos acontecimentos
Numa quinta-feira, na sequência do toque de alvorada, os instrutores de recruta entraram pelas camaratas e anunciaram que, após todos os procedimentos normais (levantar, higiene, fardar e camas), não haveria a habitual formatura para o refeitório do pequeno-almoço e que se deveria permanecer dentro daquelas instalações até ordem em contrário.
Ao espreitar pelas janelas apercebiam-se movimentos inabituais e viam-se militares armados de forma não comum.

Os que tinham transístores nas mesas-de-cabeceira ligaram-nos. As marchas militares e os comunicados do Movimento das Forças Armadas para que se mantivesse a calma revelavam estar em curso uma rebelião militar.

(Já depois de estar publicado este texto chegaram dois relatos do desenrolar dos acontecimentos nas camaratas dos cadetes. São transcritos de seguida)

"Os cadetes tiveram conhecimento do 25 de Abril de madrugada quando o Viegas (Vitaminas) apareceu nas camaratas aos gritos, a dizer que andava tudo à porrada em Lisboa. Como era costume aparecer pessoal que chegava tarde e acordava o pessoal, o nosso amigo foi bombardeado com botas e gritos de "cala-te Vitaminas e deixa o pessoal dormir".
João José Milheiro

"Quando o Vitas chegou, já na última camarata tínhamos ouvido "Grândola Vila Morena" pois o Santos ligava o transístor muito cedo e comentámos a inusitada transmissão. A chegada do Vitas foi a confirmação que algo anormal se passava".
António Gomes de Almeida.

Embora o grau geral de politização dos elementos do curso fosse baixo, sabia-se de embriões militares ligados a Kaúlza e a Spínola e da génese de movimentos de oficiais de baixa patente que pretendiam, essencialmente, melhores condições profissionais e, eventualmente, o fim da guerra colonial. Sussurravam-se, entre os mais politizados, o fracassado levantamento das Caldas e comentavam-se os livros The Portuguese Answer e Portugal e o Futuro.

Naquelas primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974 não nos foi dada qualquer informação e só depois, já nos pavilhões da linha da frente, o nosso comando de esquadra e os restantes instrutores foram passando alguma informação sobre o que se passava no País.

A instrução da recruta (que já estava a 2/3) e os voos ficavam suspensos até novas instruções. As saídas do próximo fim-de-semana estavam igualmente suspensas. Só voltaríamos a ter licença para sair da Base Aérea nº 1 na semana seguinte.

Soube-se, mais tarde, que o Comando da Base estava entregue a oficiais aderentes ao Movimento das Forças Armadas e que tudo se processava com normalidade dentro da Unidade.

A partir daí acompanhámos os acontecimentos através da RTP nas poucas televisões a preto e branco a que tínhamos acesso e percebemos não ser “militares de Abril” mas sim recrutas (pouco mais que civis) que cumpriam o serviço militar em Abril de 1974.


Enquadramento
As razões que levavam tantos jovens a concorrer ao curso de pilotos milicianos eram diversas.

Provavelmente cada um tinha as suas, sendo a mais comum a de se gostar da ideia aventureira de voar.

Presumo que a razão menos sentida seria a do pulsar castrense porque, senão, ter-se-ia seguido o caminho da Academia, único meio para atingir o generalato. Aliás, quem o sentiu no P1/74, acabou na Academia (só há registo de dois casos). Bem sei que só aos soldados-cadetes se colocava essa opção dado ser necessário ter o curso complementar dos Liceus completo (7º ano da altura e 11º de hoje). Aos soldados-alunos só era exigido o curso geral dos Liceus (5º ano da altura e 9º ano de hoje). No P1/74 houve casos de alunos que passaram a cadetes por terem, entretanto, acabado o 7º ano (alguns outros ficaram a uma ou duas cadeiras de o fazer) mas essa circunstância não alterou o desejo de se manterem como milicianos.

As Forças Armadas eram a maior escola de formação profissional nessa altura e, principalmente, a Marinha e a Força Aérea ministravam cursos profissionais de elevado potencial. Basta lembrar que, no caso da FAP, foram formados a grande maioria dos pilotos que durante anos preencheram os quadros de pilotos da TAP, bem como os quadros de controladores aéreos civis. Mesmo noutras profissões técnicas, como mecânicos e especialistas, a preponderância de jovens formados na Força Aérea era uma realidade.
Foi esta razão profissional que levou muitos jovens com 17, 18, 19 e 20 anos a concorrer aos cursos de pilotos milicianos mesmo que isso implicasse o comprometimento em servir na Força Aérea por quatro, seis ou oito anos.

Lembrando que estávamos em guerra - que nos tempos que corriam era especialmente agressiva na Guiné e no Norte de Moçambique - e que o serviço militar era obrigatório tendo uma grande parte dos concorrentes a Pilotos Milicianos já sido inspeccionados e considerados aptos para todo o serviço no exército, ao não pretenderem continuar com os estudos, estavam na primeira linha para o alistamento. Esta condição, a que era impossível de fugir (a não ser como refractário), e a publicidade feita pelo EMFA a informar da possibilidade de carreiras de futuro, era uma segunda fortíssima razão.

A escolaridade obrigatória na altura era a quarta classe. Muitos jovens, pelas mais diversas razões, não pretendiam ou não podiam continuar a estudar para além dos cursos geral ou complementar (já considerados na altura de nível razoável). No entanto, as perspectivas de futuro não seriam capazes de os retirar de um horizonte barrado por uma secretária, o que tornava apetecível o recurso a estas saídas (e não era só o recurso à TAP porque se abriam iguais condições para voar em todo o Mundo desde que tivessem conseguido mínimos de mil horas de voo na FAP o que, num tempo de guerra, estava praticamente assegurado).


Consequências
O golpe militar de Abril (ou a Revolução, se quiserem) veio condicionar o futuro dos instruendos do curso P1/74.

Não se sabia na altura, mas esse facto foi-se revelando posteriormente no decurso da instrução ministrada na BA7 (T6-G) e BA3 (Alouette III). A retirada de pilotos do Ultramar iria causar um excedente a que a formação não foi imune por, por um lado, ter apertado o crivo e, por outro, ter ficado refém das circunstâncias de instabilidade e indefinição provocadas pelo processo revolucionário em curso.

Nenhum dos Penduras fez comissão de serviço na guerra do Ultramar (que entretanto, como se sabe, terminou).

Mantenho a nota prévia: Este texto foi elaborado com o cuidado de isenção total político/ideológica. Pretendeu ser somente um relato dos acontecimentos a que se juntou o enquadramento dos factos e algumas das consequências sentidas no curso.
De resto, a posição político/ideológica do autor é publicamente conhecida.


(a continuar)
Luís Novaes Tito
#Penduras
[0.012/2017]

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